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Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
Headphones com cancelamento de ruído
Posso usá-los no estúdio?
Enrico De Paoli
Publicado em 01/03/2015 - 00h00
Imagino que esta pergunta seja um hit ao redor do planeta. Os headphones com cancelamento de ruído chegaram há alguns anos como uma grande novidade, e hoje se tornaram uma febre. Mas usá-los como referência nos estúdios é um assunto um tanto polêmico. Vou contar rapidamente a minha primeira experiência com eles...

Um belo dia, nos USA, entro numa loja e lá estão os novos phones com cancelamento de ruído. Tendo os viajantes frequentes como público-alvo, os phones estavam à mostra em cima de uma bancada, e ao lado deles havia um botão. Quando apertei este botão, surgiu um altíssimo ruído grave similar àqueles que ouvimos dentro de um avião, saindo debaixo da tal bancada onde estavam os phones.

Coloquei um deles sobre a cabeça e em cima das orelhas. Power-on, liguei os phones e pronto: todo aquele barulho de um boeing voando a 900 km/h sumiu. Fiquei impressionado. Tirei os phones da cabeça e ali fora o grave ruído continuava. Botei os phones... desliguei o circuito de cancelamento de ruído pra me certificar de que não eram simplesmente as espumas dos phones que estavam "abafando" aquele ruído, e, não, não era.

Mas, junto daquele silêncio absoluto dentro dos phones, percebi algo que me incomodava: comecei a me sentir embaixo d'água. Meus ouvidos sentiam uma espécie de vácuo. Parecia que eu estava subindo a serra de carro, sentindo aquela típica pressão nos ouvidos. Resultado: comprei ali mesmo, na loja, phones novos, mas sem a nova tecnologia de cancelamento de ruídos.

Uns dois ou três anos se passam, e novamente visito uma loja similar também nos USA, e volto a "brincar" com os phones com cancelamento de ruído. Ouvi algumas músicas, degustei o circuito de cancelamento e... comprei os phones. Vou dizer uma coisa: pra quem tem horror a lugares ruidosos, como eu, eles são uma verdadeira dádiva. Ambientes barulhentos, seja num café dentro de um shopping center, seja num quarto de hotel com um ar-condicionado ruidoso, ou dentro do próprio avião, estes ruídos por tempo prolongado causam fadiga e stress. Ainda que você ache que não se incomoda, é definitivamente irritante.

Faça um teste: experimente estar, por algum tempo, num lugar com um ar-condicionado ligado, e depois desligue-o. A sensação de paz é imediata! Sim, ruído incomoda. E, pra quem trabalha com música e áudio, este ruído, além de incomodar, tira a sua atenção para detalhes e minúcias do seu trabalho. Muito bacana, mas como funciona a tecnologia por trás desses headphones ?

Bem, o sistema não é muito complexo. Do lado externo de cada lado dos phones há um pequeno furinho onde se encontra um microfone. Estes dois microfones (um de cada lado) captam todo o ruído do ambiente que chegaria aos seus ouvidos. Este sinal é então enviado a um preamp, suas fases são invertidas e este áudio é então somado ao som da música que você estaria ouvindo normalmente nos phones. Para que isso tudo seja possível, o áudio das músicas ouvidas nesses headphones passam por um circuito ativo, ou seja, um amplificador, que além de "aumentar" o ganho do áudio, permite que os sinais dos microfones que captam os ruídos externos sejam somados com fase invertida ao sinal da música.

Desta forma, o que chega em nossos ouvidos é a música e mais o sinal de todo o ruído externo "microfonado" com a fase invertida. Sim, os phones estão jogando para os seus ouvidos o sinal do ruído externo, mas como esse sinal está com a fase invertida, ele cancela o ruído acústico do ambiente que também chega nos seus ouvidos ao mesmo tempo.

Esta é a polêmica... Muita gente deixa de confiar nestes phones para seus trabalhos por terem um circuito ativo. Então, teoricamente, o áudio que passa por ali é modificado e deixa de ser puro. Mas... E as famosas caixas ativas dos estúdios? Também têm amplificadores! Ah, mas os phones geram cancelamentos... Sim! Cancelamentos dos ruídos. Se os phones geram algum efeito colateral ao cancelar os ruídos, na minha opinião, esses efeitos são muito menos prejudiciais do que ouvir os ruídos! E, por fim, encerro com a minha clássica frase: monitoração é o que há de mais pessoal na Engenharia de Música. Se você gosta do que ouve, é uma ótima referência pra você.

Bom silêncio pra todos!

Enrico De Paoli é engenheiro de música. Sua carreira de mais de 30 anos inclui dois grammys e créditos em trabalhos de artistas como Ray Charles e Titãs. Visite www.EnricoDePaoli.com e conheça também o programa de treinamento Mix Secrets.
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.