Dentre infinitas facilidades que a revolução digital nos trouxe, uma das mais notáveis foi a cópia idêntica de arquivos. O que isso quer dizer? Bem, imagine a seguinte situação: você está produzindo um disco e quer gravar um guitarrista. Se ele gravasse em seu próprio estúdio em uma outra fita, ao transcrever o take de guitarra da fita dele para a fita do projeto, você perderia uma geração. Isso porque não vou nem entrar nos méritos de como se fazia para sincronizar uma fita com a outra!
Mas, voltando às gerações, quem gravou muitas fitas cassete na juventude sabe do que estou falando. Uma fita copiada para outra simplesmente soava bem pior. Por que? Pense no seguinte: a fita por si só já tem o chiado dela. Além disso, na gravação ela tende a adicionar artifícios no som, como distorções harmônicas e uma diminuição dos transientes. Logo, quando você grava de uma fita para outra, tudo isso passa a acontecer duas vezes. Daí o nome "segunda geração".
Com a chegada do digital, foi-se lentamente entendendo que o som digital não é feito de ondas sonoras impressas nas diferentes formas de mídia, normalmente magnéticas, mas sim o som passa a ser um arquivo digital representado por sequências de 1s e 0s. O motivo simples para que esse fato demorasse tanto pra ser assimilado é que durante muito tempo o áudio digital ainda era tocado em tempo real. Ou seja, nós não víamos um arquivo na tela do computador ou iPhone, mas sim um disquinho CD ou uma fitinha DAT. Apesar de já estarmos lidando com áudio digital, os procedimentos e logística ainda eram muito similares ao que estávamos acostumados da então recente era analógica. E que diferença isso faz?
Vamos lá. Fitas digitais tipo DAT ou ADAT, ou discos digitais tipo CDs, são mídias que tocam o áudio em tempo real. Ou seja, a máquina lê toda a informação digitalizada, os bits 1 e 0, e então estas milhares de sequências de números são novamente convertidas para analógico para podermos ouvir. Porém, ainda assim o processo é feito a partir de mídias físicas. E a leitura dessa informação é suscetível a erros. Sendo assim, estas máquinas de reprodução de CDs e fitas têm algoritmos de correção de erros e "arredondamentos", de forma que todos aqueles números lidos voltem a fazer algum sentido sônico, mesmo quando a leitura não é exata.
Já quando lidamos com aúdio digital em forma real de arquivos, dentro do computador ou até mesmo no telefone celular, estamos lidando com um arquivo virtual, e não uma mídia física de leitura em tempo real. O áudio no computador é carregado para RAM e a execução dele é absolutamente perfeita.
Quando copiamos um arquivos WAV de um hard disk para outro, esta cópia é absolutamente perfeita. Não existe perda de geração. É uma réplica. O computador, durante a tarefa de cópia, verifica bit por bit do arquivo na origem e do arquivo no destino, e somente conclui a cópia quando os dois arquivos são idênticos. Ou seja, mixar seus tracks que não estão no mesmo HD em que foram originalmente gravados não tem o menor problema. Mas, se estes arquivos forem transferidos em tempo real, podem existir dois tipos de perdas de gerações: 1) se a transferência for por cabos analógicos, obviamente haverá perda nas conversões para analógico e depois de volta para digital; mas, além disso, 2) lembre-se de que mídias como CD ou fita digital precisam de algoritmo de correção de leitura enquanto elas tocam. Isso me faz alertar para uma questão comum nos dias de hoje...
Passamos meses, às vezes anos, produzindo um disco, usando os melhores equipamentos ao nosso alcance. Mas, quando estamos na etapa final da master, geramos um CD audio master. Tá certo - este é o procedimento padrão. Mas, sim, a gravação deste CD em tempo real gera um áudio que não é idêntico à master final, e quando este mesmo CD master chega na fábrica para duplicação de CDs, ele é lido também com algoritmos de correção de data. A solução pra isso seria enviar os arquivos de áudio avulsos, mas, dessa forma, a fábrica não teria noção dos espaços e fades entre as músicas, assim como os indexadores das faixas. Para isso surgiu o DDP (Disc Description Protocol). Na verdade, o DDP é um formato que inclui uma pasta com os arquivos de áudio e todas as outras informações da master, como espaços, fades, códigos ISRC etc. Por ser um formato de arquivos de computador, as casas de masterização e as fábricas mais atuais hoje em dia não usam mais geração e leitura via CD Audio entre a masterização e a fabricação.
Toda cópia analógica tem perda de geração e degradação do áudio. Nem toda cópia digital é uma réplica idêntica. Nossa última página deste mês alerta para estas diferenças e clareia o assunto. Bom trabalho pra todos! Divirtam-se!
Enrico De Paoli é engenheiro de música premiado com dois Grammys. Créditos vão de Djavan a Ray Charles. Enrico mixa e masteriza em seu Incrível Mundo Studio. Para mais informações, visite www.EnricoDePaoli.com.