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Revista Luz & Cena
Áudio no Brasil
Luiz Augusto de Arruda Botelho
O maior dos meus ídolos
Paulo Farat
Publicado em 06/11/2014 - 00h00

Quando fui convidado pela equipe da revista para um depoimento sobre o Luiz Botelho, aceitei absolutamente na hora e um filme inteiro dos últimos 35 anos da minha profissão passou pela minha cabeça... O que tudo teria sido sem ele? Sua história de vida e realizações são muito maiores do que esse depoimento pessoal, mas é o que o coração transportou para minhas teclas nesse momento.

Exatamente em novembro de 1979, depois que todos os estúdios de gravação bateram as portas na minha cara (com exceção do Grupo Maurício de Sousa, onde eu já dava meus primeiros passos no mundo do áudio pelas mãos do Márcio e do próprio Maurício), recebi uma ligação de um amigo para que marcasse uma reunião no estúdio Vice-Versa com seu diretor técnico. "No Vice-Versa, o estúdio do Rogério Duprat, do Sá, do Guarabyra e do tal Luiz Botelho que todo mundo fala? O que um estúdio daquele porte poderia oferecer a um office boy de construtora metido a besta como eu?" Enfim... lá fui eu para a "temida" conversa.

Me lembro como se fosse hoje dos passos em direção à sala daquele cara calmo, de voz suave e com uma atenção e respeito muito maiores do que sua fama de ser um dos mestres absolutos do áudio no país. Na nossa conversa daquela manhã tive todo o tempo do mundo para contar as maiores mentiras que eu já fui capaz de reunir em algumas horas de papo... Que eu era o cara, que fazia acontecer etc. Saí do Vice morrendo de vergonha, com uma vontade enorme de voltar lá e dizer "me desculpe, Sr. Botelho, eu nunca fiz nada do que eu disse para o senhor!". Foi ali que teve início uma das maiores histórias de respeito, amizade, aprendizado e parceria de toda a minha vida.

Uma semana depois disso, exatamente no dia 19 de novembro de 1979, fui chamado ao estúdio para um segundo papo com o Luiz. Naquele dia, do alto de sua classe e serenidade, ele disse que adorou minha determinação em ser alguém no áudio e que me daria uma chance como assistente de estúdio, para provar que seria capaz de realizar de verdade todas aquelas mentiras que eu disse na primeira entrevista. A única coisa que tinha ficado daquele primeiro encontro foi ele acreditar cegamente na minha vontade explícita de fazer parte daquele mundo. Que mico e, ao mesmo tempo, que alegria! Bom, daquele dia em diante toda a minha vida tomaria outro sentido.

O Luiz foi o cara com mais comprometimento em dividir conhecimentos técnicos, formar posturas éticas e extrair das pessoas o dobro do que elas pudessem dar nesse universo maluco do áudio. O convívio com ele me ensinou, primeiro, a entender porque ele era quem era no meio, e, o principal, como me portar como um profissional que fizesse valer a pena cada dia. Idolatrado por absolutamente todos os caras do mercado, era o espelho perfeito... Um cara no qual a humildade, o talento e o conhecimento técnico eram absolutamente maiores do que qualquer tipo de egocentrismo ou coisas do gênero.

Na minha primeira semana de Vice-Versa, já ganhei o The Studio Recording Handbook (de John M. Woram) com a missão de estudar todos os dias cada linha e capítulo, e a porta da sala do Luiz estava aberta todos os dias para um papo técnico sem limites. Aquele livro na época devia custar metade do eu salário de assistente!

O que se seguiu nos meus anos de Vice-Versa foi saber exatamente a importância de começar direito e levar a sério os ensinamentos do Luiz, que até hoje são pilares da minha profissão. Um deles, o "faça o básico bem feito", ainda é o principal entre todos eles. Foi o Luiz quem me ensinou que não existe o "melhor engenheiro", mas sim o "melhor procedimento". Os grandes engenheiros são os caras que têm os melhores procedimentos básicos antes de assinarem os trabalhos com seus toques pessoais e talento, imprimindo nos detalhes sua arte e capacidade de criar! Fato.


O Botelho sempre foi uma enciclopédia completa, sem limites. Sua paciência com um canceriano ansioso como eu era impressionante! Sempre havia espaço pra mais uma explicação, mais alguns dados, mais alguma forma de mostrar calmamente o caminho certo. E, mais uma vez, e mais uma vez, e mais uma vez... Um gênio do conhecimento técnico e um "mago" na arte de compartilhar, se tornando o maior exemplo de essência que eu conheci até hoje. Um cara que despertava em cada um de nós o sentido de superação. Convencia-nos todos os dias de que as coisas do áudio poderiam ser sempre mais cuidadas, e, com um discernimento absurdo, economizava nos elogios para não criar "monstrinhos" prepotentes que habitam o "Universo Meu Umbigo" e que falam irritantemente o tempo todo na primeira pessoa do singular.

Ele era absolutamente surpreendente. Na época da primeira edição do Rock in Rio, por exemplo, montou um rodízio no estúdio para que toda a equipe de assistentes do Vice-Versa assistisse a pelo menos três dias de apresentações para ter contato com o "live mix" que o primeiro mundo fazia! Jamais vou esquecer também os seus famosos puxões de orelha na sala de corte do estúdio, onde, olhando no microscópio as barbeiragens de fase e equalizações equivocadas nas mixes, nos pedia explicações sobre qual era a ideia inicial e sobre "o que mais sabíamos fazer", além de estragar o resultado final daquela maneira! Hahaha. Saudades Master!!!

Enfim, não seríamos nada sem você, Luiz Augusto de Arruda Botelho, e essa gratidão explícita eu vou carregar por todos os dias da minha vida, em todos os lugares, em qualquer tempo, em qualquer vitória, e vou escrever em todos os muros que eu puder, sempre tendo essa responsabilidade de jamais te decepcionar na arte que você me ensinou a respeitar e a executar dentro dos meus limites, e por que não dizer, muito além deles! Eu e muita gente por aqui. É uma pena que a "pen drive generation" não tenha a chance de conhecer caras como você... Tudo seria diferente.

O "planeta áudio" te agradece de joelhos ao chão. Todos nós agradecemos. Fica com Deus, onde quer que você esteja, e saiba que você se livrou de ter minha presença pedindo toques e procedimentos em todos os meus trabalhos até hoje! Um grande beijo de gratidão do seu fã incondicional aqui.

Amém.

Paulo Farat é engenheiro de monitor desde os anos 1980, com trabalhos no stage de Milton Nascimento, Ivan Lins, Maria Bethânia, Rita Lee, Fabio Jr., Capital Inicial, Maurício Manieri, Charlie Brown Jr., entre outros. Trabalhou com Luiz Botelho no Estúdio Vice-Versa. Participou da equipe do Mosh, Nossoestúdio, Artmix e Maurício de Sousa Produções. Atualmente mixa os monitores do RPM. E-mail: ppointmix@uol.com.br.
 
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